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quinta-feira, 2 de abril de 2015

O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS - LIÇÃO 01 COM SUBSIDIOS



Lições Bíblicas CPAD  -   Adultos
 2º Trimestre de 2015

Título: Jesus, o Homem Perfeito — O Evangelho de Lucas, o médico amado
Comentarista: José Gonçalves



Lição 1: O Evangelho segundo Lucas
Data: 5 de Abril de 2015

TEXTO ÁUREO

Para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado” (Lc 1.4).

VERDADE PRÁTICA

O cristão possui uma fé divinamente revelada e historicamente bem fundamentada.

LEITURA DIÁRIA

Segunda — Lc 3.1,2
O cristianismo no seu cenário histórico



Terça — Lc 1.1-4
O cristianismo se fundamenta em fatos



Quarta — Lc 16.16
O cristianismo no contexto bíblico



Quinta — Lc 2.23-28
O cristianismo em seu aspecto universal



Sexta — Lc 1.35; 5.24
O cristianismo e a deidade de Jesus



Sábado — Lc 4.18
O cristianismo e o Ministério do Espírito

LEITURA BÍBLICA EM CLASSE

Lucas 1.1-4.

Lucas 1
1 — Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram,
2 — segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra,
3 — pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio,
4 — para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado.

HINOS SUGERIDOS

3, 46 e 162 da Harpa Cristã

OBJETIVO GERAL

Apresentar um panorama do Evangelho de Lucas.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Abaixo, os objetivos específicos referem-se ao que o professor deve atingir em cada tópico. Por exemplo, o objetivo I refere-se ao tópico I com os seus respectivos subtópicos.

·   I. Apresentar o terceiro Evangelho.
·   II. Conhecer os fundamentos e historicidade da fé cristã.
·   III. Afirmar a universalidade da fé cristã.
·   IV. Expor a identidade de Jesus, o Messias esperado.

INTERAGINDO COM O PROFESSOR

Prezado professor, neste segundo trimestre estudaremos a respeito do terceiro Evangelho, cujo autor é Lucas, o médico amado. Seu relato é um dos mais completos e ricos em detalhes a respeito do nascimento e infância do Salvador. Lucas era um gentio, talvez por isso, em sua narrativa, procure apresentar a Jesus como o Filho do Homem. Ele apresenta o Salvador como o Homem Perfeito que veio salvar a todos, judeus e gentios.
O comentarista deste trimestre é o pastor José Gonçalves — professor de Teologia, escritor e vice-presidente da Comissão de Apologética da CGADB.
Que mediante o estudo de cada lição você possa conhecer mais a respeito do Filho de Deus, que se fez homem e habitou entre nós.
Tenha um excelente trimestre.

                         COMENTÁRIO

INTRODUÇÃO

O Evangelho de Lucas é um dos livros mais belos e fascinantes do mundo. De fato, o terceiro Evangelho se distingue pelo seu estilo literário, pelo seu vocabulário e uso que faz do grego, considerado pelos eruditos como o mais refinado do Novo Testamento. Mas a sua maior beleza está em narrar a história da salvação (Lc 19.10). O autor procura mostrar, sempre de forma bem documentada, que o plano de Deus em salvar a humanidade, revelado através da história, cumpriu-se cabalmente em Cristo quando Ele se deu como sacrifício expiador pelos pecadores (Jo 10.11). Deus continua sendo Senhor da história e o advento do Messias para estabelecer o seu Reino é a prova disso. Lucas mostra que é através do Espírito Santo, primeiramente operando no ministério de Jesus e, posteriormente na Igreja, que esse propósito se efetiva.


PONTO CENTRAL

O plano da salvação do cristianismo pode ser localizado com precisão dentro da história.


I. O TERCEIRO EVANGELHO

1. Autoria e data. Lucas, “o médico amado” (Cl 4.14), a quem é atribuída a autoria do terceiro Evangelho, é citado no Novo Testamento três vezes. Todas as citações estão nas epístolas paulinas e são usadas no contexto do aprisionamento do apóstolo Paulo (Cl 4.14; Fm 24; 2Tm 4.11). Embora o autor do terceiro Evangelho não se identifique pelo nome, isso não depõe contra a autoria lucana. Desde os seus primórdios, a Igreja Cristã atribui a Lucas a autoria do terceiro Evangelho. A crítica contra a autoria de Lucas não tem conseguido apresentar argumentos sólidos para demover a Igreja de sua posição. A erudição conservadora assegura que Lucas escreveu a sua obra (aproximadamente) no início dos anos sessenta do primeiro século da era cristã.
2. A obra. Lucas era historiador e médico. Ele escreveu sua obra em dois volumes (Lc 1.1-4; At 1.1,2). O terceiro Evangelho é a primeira parte desse trabalho e é uma narrativa da vida e obra de Jesus, enquanto os Atos dos Apóstolos compõem a segunda parte e narram o caminhar espiritual dos primeiros cristãos da Igreja Primitiva.
3. Os destinatários originais. O doutor Lucas endereçou seu Evangelho a Teófilo, certamente uma pessoa importante que devia ocupar uma alta posição social, sendo citado como “excelentíssimo”. Pode se dizer que além deste ilustre destinatário, Lucas também escreveu aos gentios. O terceiro Evangelho pode ser classificado como sendo de natureza soteriológica e carismática. Soteriológica, porque narra o plano da salvação, e carismática porque dá amplo destaque ao papel do Espírito Santo como capacitador do ministério de Jesus Cristo.



SÍNTESE DO TÓPICO (I)

Lucas, o médico amado, é o autor do terceiro Evangelho, que foi endereçado a Teófilo, um gentio.



SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO

“Lucas inicia seu Evangelho com uma declaração especial: ele mesmo havia se ‘informado minuciosamente de tudo [sobre a vida de Jesus] desde o princípio’ (1.1-4). Dessa forma, o Evangelho de Lucas é um relatório cuidadoso e historicamente exato do nascimento, ministério, morte e ressurreição de Jesus. Contudo, ao lermos Lucas percebemos que a sua obra não é uma repetição monótona das datas e ações. A escrita de Lucas é vívida, nos atraindo para dentro dos eventos que ele descreve. A escrita de Lucas também exibe uma fervorosa sensibilidade quanto aos detalhes pessoais íntimos” (RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. 1ª Edição. RJ: CPAD, 2007, p.133).



II. OS FUNDAMENTOS E HISTORICIDADE DA FÉ CRISTÃ

1. O cristianismo no seu contexto histórico. Lucas mostra com riqueza de detalhes sob que circunstâncias históricas se deram os fatos por ele narrados. Vejamos: “E, no ano quinze do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia, e Herodes, tetrarca da Galileia, e seu irmão Filipe, tetrarca da Itureia e da província de Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene, sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de Deus a João, filho de Zacarias” (Lc 3.1,2). Esses dados têm um propósito claro: mostrar que o plano da salvação no cristianismo pode ser localizado com precisão dentro da história. A fé cristã, portanto, não se trata de uma lenda ou fábula engenhosamente inventada. São fatos históricos que poderiam ser testados e provados e, dessa forma, podem ser aceitos por todos aqueles que procuram a verdade.
2. Discipulado através dos fatos. A palavra grega katecheo, traduzida como “informado” ou “instruído” no versículo 4, deu origem à palavra portuguesa catequese. Esse vocábulo significa também: doutrinar, ensinar e convencer. Nesse contexto possui o sentido de “discipular”. Lucas escreveu o seu Evangelho para formar discípulos. O discipulado, para ser autêntico, deve fundamentar-se na veracidade dos fatos da fé cristã. Nos primeiros versículos do seu Evangelho, Lucas revela, portanto, quais seriam as razões da sua obra (Lucas 1.1-4). O terceiro Evangelho foi escrito para mostrar os fundamentos das verdades nas quais os cristãos são instruídos.



SÍNTESE DO TÓPICO (II)

A veracidade dos fatos narrados por Lucas pode ser comprovada pela história.



SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO

“Lucas presta bastante atenção aos eventos que ocorreram antes do nascimento de Jesus, uma atenção maior que aquela que os outros evangelistas dedicaram ao assunto” (RICHARDS, Lawrence O. Comentário Histórico-Cultural do Novo Testamento. 1ª Edição. RJ: CPAD, 2007, p.134).



III. A UNIVERSALIDADE DA SALVAÇÃO

1. A história da salvação. A teologia cristã destaca que Lucas divide a história da salvação em três estágios: o tempo do Antigo Testamento; o tempo de Jesus e o tempo da Igreja. O terceiro Evangelho registra as duas primeiras etapas e o livro de Atos, a terceira (Lc 16.16). No contexto de Lucas a expressão a “Lei e os Profetas” é uma referência ao Antigo Testamento, onde é narrado o plano de Deus para o povo de Israel. A frase “anunciado o Reino de Deus” se refere ao tempo de Jesus que, através do Espírito Santo, realiza e manifesta o Reino de Deus. O tempo da Igreja ocorre quando o Espírito Santo, que estava sobre Jesus, é derramado sobre todos os crentes.
2. A salvação em seu aspecto universal. O aspecto universal da salvação, revelado no terceiro Evangelho pode ser facilmente observado pelo seu amplo destaque dado aos gentios. O próprio Lucas endereça a sua obra a um gentio, Teófilo (Lc 1.1,2). A descendência de Cristo, o Messias prometido, vai até Adão, o pai de todos, e não apenas até Abraão, o pai dos judeus (Lc 3.23-38). Fica, portanto, revelado que os gentios, e não somente os judeus, estão incluídos no plano salvífico de Deus (Lc 2.32; 24.47). Destaque especial é dado para os samaritanos (Lc 9.51-56; 10.25-37; 17.11-19). Há ainda outras particularidades do Evangelho de Lucas que mostram o interesse de Deus por toda a humanidade, especialmente os pobres e excluídos (Lc 19.1-10; 7.36-50; 23.39-43; 18.9-14).



SÍNTESE DO TÓPICO (III)

Todos estão incluídos no plano salvífico de Deus: gentios e judeus.



SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO

“A Verdadeira Identidade do Filho
Os aspectos-chave na vida de Jesus ajudaram os primeiros cristãos a perceber, de uma forma nova e única, que Ele era o ‘Filho de Deus’.
       A encarnação. Jesus foi concebido pelo poder do Espírito Santo de Deus, e não por um pai humano. De forma consistente, também falou de como saiu ‘do Pai’ para vir ‘ao mundo’ (Jo 16.28). Enquanto, para outros seres humanos, o nascimento é o início da vida, o nascimento de Jesus era uma encarnação — Ele existia como o Filho de Deus antes de seu nascimento humano. Jesus, de forma distinta dos governantes pagãos, não era um filho adotado dos deuses, mas sim o eterno Filho de Deus.
       O reconhecimento por Satanás e pelos demônios. Enquanto a identidade verdadeira de Jesus, durante seu ministério terreno, estava velada para seus discípulos, ela foi reconhecida por Satanás (Mt 4.3,6) e pelos demônios (Lc 8.28).
       A ressurreição e ascensão. Jesus foi morto por afirmar que falava e agia como o Filho de Deus. A ressurreição representou a confirmação de Deus de que Jesus falava a verdade sobre si mesmo. Paulo apontou a ressurreição como a revelação ou declaração da verdadeira identidade de Jesus como Filho de Deus (Rm 1.4). Depois da ressurreição, Jesus retornou ao Pai para ficar no lugar de honra, à direita de Deus” (Guia Cristão de Leitura da Bíblia. 1ª Edição. RJ: CPAD, 2013, pp.34,35).



IV. A IDENTIDADE DE JESUS, O MESSIAS ESPERADO

1. Jesus, o homem perfeito. No Evangelho de Lucas, Jesus aparece como o “Filho de Deus” (Lc 1.35) e “Filho do Homem” (Lc 5.24). São expressões messiânicas que revelam a deidade de Jesus. A primeira expressão mostra Jesus como verdadeiro Deus enquanto a segunda, que ocorre 25 vezes no terceiro Evangelho, mostra-o como verdadeiro homem. Ele é o Filho do Homem, o Homem Perfeito. Ao usar o título “Filho do Homem” para si mesmo, Jesus evita ser confundido com o Messias político esperado pelos judeus. Como Homem Perfeito, Jesus era obediente a seus pais. Todavia, estava consciente de sua natureza divina (Lc 2.4-52). É como o Homem Perfeito que Jesus enfrenta, e derrota, Satanás na tentação do deserto (Lc 4.1-13).
2. O Messias e o Espírito Santo. Lucas revela que Jesus, o Messias, como Homem Perfeito, dependia do Espírito Santo no desempenho do seu ministério (Lc 4.18). Isaías, o profeta messiânico, mostra a estreita relação que o Messias manteria com o Espírito do Senhor (Is 11.1,2; 42.1). O Messias seria aquele sobre quem repousaria o Espírito do Senhor, tal como profetizara Isaías e Jesus aplicara a si, na sinagoga em Nazaré (Lc 4.16-19; Is 61.1).



SÍNTESE DO TÓPICO (IV)

Lucas apresenta Jesus como o Filho de Deus e o Filho do Homem, ressaltando tanto a sua humanidade quanto a sua divindade.



SUBSÍDIO BIBLIOLÓGICO

“Lucas descreveu como o Filho de Deus entrou na História. Jesus viveu de forma exemplar, foi o Homem Perfeito. Depois de um ministério perfeito, Ele se entregou como sacrifício perfeito pelos nossos pecados, para que pudéssemos ser salvos.
Jesus é o nosso Líder e Salvador perfeito. Ele oferece perdão a todos aqueles que o aceitam como Senhor de suas vidas e creem que aquilo que Ele diz é a verdade” (Bíblia de Estudo Aplicação Pessoal. RJ: CPAD, p.1337).



CONCLUSÃO

O terceiro Evangelho é considerado a coroa dos Evangelhos sinóticos. Enquanto o Evangelho de Mateus enfoca a realeza do Messias e Marcos o poder, Lucas enfatiza o amor de Deus. Lucas é o Evangelho do Homem Perfeito; da alegria (Lc 1.28; 2.11; 19.37; 24.53); da misericórdia (Lc 1.78,79); do perdão (7.36-50; 19.1-10); da oração (Lc 6.12; 11.1; 22.39-45); dos pobres e necessitados (Lc 4.18) e do poder e da força do Espírito Santo (Lc 1.15,35; 3.22; 4.1; 4.14; 4.17-20; 10.21; 11.13; 24.49). Lucas é, portanto, o Evangelho do crente que quer conhecer melhor o seu Senhor e ser cheio do Espírito Santo.

PARA REFLETIR

Sobre os ensinos do Evangelho de Lucas, responda:

A quem é atribuída a autoria do terceiro Evangelho?
A autoria é atribuída a Lucas, o médico amado.

Como devemos entender o termo “informado” usado por Lucas no capítulo 1 do seu Evangelho?
O vocábulo significa também “doutrinar”, “ensinar” e “convencer”.

Como Jesus é revelado no Evangelho de Lucas?
Ele é revelado como “Filho de Deus” e “Filho do Homem”.

As expressões “Filho do Homem” devem ser entendidas em que sentindo no terceiro Evangelho?
Devem ser entendidas como expressões que mostram o relacionamento de Jesus com a humanidade.

De acordo com a lição, como é considerado o terceiro Evangelho?
Ele é considerado a coroa dos Evangelhos Sinóticos.

SUBSÍDIOS ENSINADOR CRISTÃO

O Evangelho segundo Lucas

Ao longo da História da Igreja, algumas indagações acerca dos Evangelhos foram feitas por cristãos sinceros: (1) Como os Evangelhos surgiram? (2) Como obra literária, de que maneira devemos entender os Evangelhos? (3) O que os Evangelhos nos contam sobre Jesus?
Sabemos que pessoas, inspiradas pelo Espírito Santo, escreveram os quatro primeiros livros do Novo Testamento. Entretanto, de acordo com as perguntas acima, queremos saber como os autores dos Evangelhos obtiveram as informações sobre a vida e o ministério de Jesus; Por que os Evangelhos são tão parecidos e, ao mesmo tempo, tão diferentes?
Sem a pretensão de respondermos essas questões no presente espaço (é impossível tal empreendimento), podemos perceber que o Evangelho de Lucas, dentre os quatro, tem uma particular contribuição para compreendermos a formação dos Evangelhos que falam do nosso Senhor. Leia o seguinte texto:
“Tendo, pois, muito empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio, para que conheças a certeza das coisas que já estás informado” (Lc 1.1-4). Agora correlacione essa passagem com a de Atos 1.1,3:
“Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar, [...] aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias e falando do que respeita ao Reino de Deus”.
Podemos dizer que o evangelista Lucas é o autor sacro que dá as pistas da história das origens cristãs, pois as introduções do seu Evangelho e do Livro de Atos revelam que: (1) Lucas selecionou e pôs em ordem os fatos narrados no Evangelho; (2) Esses fatos foram transmitidos pelas testemunhas oculares de Cristo e pelos ministros, os apóstolos, da palavra que “transmitiam” verdades sobre Jesus; (3) Haviam outros escritos sobre Jesus, mas coube a Lucas organizar e relatar o dele.
Com isso, fica claro que o médico amado, doutor Lucas, é o autor do Evangelho considerado o mais histórico e cronológico dentre os quatro Evangelhos. Um tratado extraordinário sobre Jesus e a sua obra!

SUBSIDIOS

O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS
Metodologia
Ao estudarmos uma obra literária, precisamos, dentre outras coisas, levar em conta a sua autoria e data, o tipo de gênero literário, o seu destinatário e o propósito para o qual ela foi escrita. Essa metodologia é importante não apenas para o estudo de textos bíblicos, mas também para qualquer obra da literária universal. A sua observância garantirá que o intérprete não chegue a conclusões equivocadas e diferentes da- quelas que tencionou o autor.
O estudante da Bíblia deve, portanto, ter isso em mente quando estuda o terceiro Evangelho. Roger Stronstad, teólogo de tradição pentecostal canadense, demonstrou, por exemplo, que uma metodologia errada na análise do Evangelho de Lucas tem levado vários estudiosos a chegarem a conclusões teológicas igualmente erradas.1 Esses equívocos têm como subprodutos uma fé e prática cristã diferente daquela desenhada nas obras de Lucas.
Ao analisar, por exemplo, os contrastes existentes no desenvolvimento histórico da doutrina do Espírito Santo nas diferentes tradições cristãs, Stronstad observa que “essa divisão não é simplesmente teológica. No fundo, o assunto tem diferenças hermenêuticas ou metodológicas fundamentais. Essas diferenças metodológicas surgem dos diversos gêneros literários e são da mesma extensão que estes. Por exemplo, há que deduzir a teologia do Espírito Santo de Lucas de uma “história” de dois volumes sobre a fundação e o crescimento do cristianismo, dos quais se classifica o volume um como um Evangelho e o volume dois como Atos. Por contraste, temos que derivar a teologia do Espírito Santo de Paulo de suas cartas, as quais dirigiu às igrejas geograficamente separadas em diferentes ocasiões de suas jornadas missionárias. Estas cartas são circunstanciais, quer dizer, tratam de alguma circunstância particular: por exemplo notícias de controvérsias (Gálatas), respostas às perguntas específicas (1 Coríntios) ou planos para uma visita vindoura (Romanos). Assim que, à medida que Lucas narra o papel do Espírito Santo na história da igreja primitiva, Paulo ensina a seus leitores acerca da pessoa e ministério do Espírito”.

Autoria
Como veremos mais adiante, a tradição que atribui autoria lucana para o terceiro Evangelho é muito antiga. No texto bíblico, as referências ao “médico amado” são Colossenses 4.14; 2 Timóteo 4.11 e Filemon 24. Todavia assim como outros escritos do Novo Testamento, o terceiro Evangelho também não traz grafado o nome de seu autor.

Evidências internas da autoria lucana

Diferentemente de outros livros neotestamentários que são anônimos, o terceiro Evangelho deixou pistas que permitiram à igreja atribuir a Lucas, o médico amado, a sua autoria. Alguns desses indícios internos listados pelos biblistas são:

1. Tanto o livro de Lucas como o livro de Atos são endereçados a uma pessoa identificada como Teófilo. “Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio” (Lc 1.3), “Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar, até ao dia em que foi recebido em cima, depois de ter dado mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera; aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias e falando do que respeita ao Reino de Deus” (At 1.1-3).

2. Como vimos, o livro de Atos se refere a um outro livro que fora escrito anteriormente (At 1.1), que sem dúvida alguma trata-se do terceiro Evangelho. Quem escreveu Atos dos Apóstolos, portanto, escreveu também o terceiro evangelho.

3. O estilo literário e as características estruturais de Lucas e Atos apontam na direção de um só autor;

4. Muitos temas comuns ao terceiro Evangelho e Atos não são encontrados em nenhum outro lugar do Novo Testamento. Por exemplo, a ênfase na ação carismática do Espírito Santo sobre Jesus e seus seguidores (Lc 24.49; At 1.4-8).

Devemos observar ainda, como destaca Walter Liefeld, dentro dessa perspectiva, que o autor de Lucas-Atos não foi uma testemunha ocular dos feitos de Jesus, mas um cristão da segunda geração que se propôs a documentar a tradição existente sobre Jesus e o andar dos primeiros cristãos. Na passagem de Atos 16.10-17, a referência à primeira pessoa do plural (nós) além de revelar que Lucas era um dos companheiros de Paulo na segunda viagem missionária mostra também que era ele quem documentava esses registros:

“E, logo depois desta visão, procuramos partir para a Macedônia, concluindo que o Senhor nos chamava para lhes anunciarmos o evangelho. E, navegando de Trôade, fomos correndo em caminho direito para a Samotrácia e, no dia seguinte, para Neápolis; e dali, para Filipos, que é a primeira cidade desta parte da Macedônia e é uma colônia; e estivemos alguns dias nesta cidade. No dia de sábado, saímos fora das portas, para a beira do rio, onde julgávamos haver um lugar para oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que ali se ajuntaram. E uma certa mulher, chamada Lídia, vendedora de púrpura, da cidade de Tiatira, e que servia a Deus, nos ouvia, e o Senhor lhe abriu o coração para que estivesse atenta ao que Paulo dizia. Depois que foi batizada, ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja fiel ao Senhor, entrai em minha casa e ficai ali. E nos constrangeu a isso. E aconteceu que, indo nós à oração, nos saiu ao encontro uma jovem que tinha espírito de adivinhação, a qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores. Esta, seguindo a Paulo e a nós, clamava, dizendo: Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo” (At 16.10-17). Essas evidências internas, sem sombra de dúvidas, apontam a autoria lucana do terceiro Evangelho. A propósito, em 1882 o escritor   W.K. Hobart em seu livro: A Linguagem Médica de Lucas demonstrou a existência de vários termos médicos usados no terceiro Evangelho, o que confirmaria a autoria lucana. Posteriormente a obra O Estilo Literário de Lucas, escrita por H. J. Cadbury tentou mostrar que não somente Lucas usou termos médicos em sua obra, mas que outros escritores, mesmo não sendo médicos, fizeram o mesmo. Mas como bem observou William Hendriksen, quando se faz um paralelo entre Lucas e os demais Evangelhos Sinóticos observa-se a peculiaridade do vocabulário médico empregado por Lucas. Hendriksen comparou, por exemplo, Lucas 4.38 com Mateus 8.14 e Marcos 1.30 (a natureza ou grau da febre da sogra de Pedro); Lucas 5.12 com Mateus 8.2 e Marcos 1.40 (a lepra); e Lucas 8.43 com Marcos 5.26 (a mulher e os médicos). Ainda de acordo com Hendriksen, pode-se acrescentar facilmente outros pequenos toques. Por exemplo, somente Lucas declara que era a mão direita que estava seca (6.6, cf. Mt 12.10; Mc 3.1); e entre os escritores sinóticos, somente Lucas menciona que foi a orelha direita do servo do sumo sacerdote a ser cortada (22.50; cf. Mt 26.51 e Mc 14.47). Compare também Lucas 5.18 com Mateus 9.2, 6 e Marcos 2.3, 5, 9; e çf. Lucas 18.25 com Mateus 19.24 e Marcos 10.25. Além do mais, conclui Hendrinksen, embora seja verdade que os quatro Evangelhos apresentam Cristo como o Médico compassivo da alma e do corpo, e ao fazê-lo revelam que seus escritores também eram homens de terna compaixão, em nenhuma parte é este traço mais abundantemente notório que no Terceiro Evangelho.

Evidências externas da autoria lucana.

Além dessas evidências internas, há também diversas evidências externas, que fazem parte da tradição cristã, atestando a autoria lucana para o terceiro Evangelho. Uma delas, o cânon muratoriano, escrita em cerca de 180 d.C., confirma a autoria de Lucas: “o terceiro livro do Evangelho, segundo Lucas, que era médico, que após a ascensão de Cristo, quando Paulo o tinha levado com ele como companheiro de sua jornada, compôs em seu próprio nome, com base em relatório”. Em cerca de 135 d.C., antes portanto do Cânon muratoriano, Marcião,
o herege, também atesta a autoria de Lucas para o terceiro Evangelho. Testemunho confirmado posteriormente por Irineu (Contra as Heresias, 3.14-1) e outros escritores posteriores.

Data de Composição da Obra
A data da composição do terceiro evangelho é melhor definida pelos biblistas quando se leva em conta alguns fatores. Por exemplo, se Lucas valeu-se do Evangelho de Marcos como uma de suas fontes, nesse caso é preciso situá-lo em data posterior ao escrito de Marcos que foi redigido alguns anos antes do ano 70 d.C. Segundo, se Lucas é o primeiro volume de uma obra em dois volumes (Lucas-Atos), como se acredita que é, fica bastante evidente que o terceiro Evangelho foi compilado antes dos Atos dos Apóstolos. Nesse caso será preciso primeiramente datar o livro de Atos. Os eruditos acreditam que, levando-se em conta uma análise detalhada do livro de Atos dos Apóstolos, a data para sua redação está entre 61 a 65 d.C. Em Terceiro lugar, a data para a redação de Lucas dependerá também de como se interpreta o sermão feito por Cristo sobre a destruição de Jerusalém (Lc 21.8-36). Nesse caso, argumentam os críticos, Lucas escreveu depois da destruição de Jerusalém no ano 70 visto ter feito referência aos fatos ocorridos nessa data. Esse argumento é fraco, visto que Cristo proferiu uma profecia sobre os eventos do fim e que tiveram início na destruição de Jerusalém. E o que os teólogos denominam de vaticinium ex eventu, isto é, uma profecia que é feita antes que o evento ocorra. Em quarto lugar, muitos críticos argumentam em favor de uma data mais tardia para Lucas, porque segundo eles, algumas situações mostradas nas obras de Lucas demonstrariam situações que ainda não existiam nos anos 60 e 70 d.C. Mas esse é um argumento que não se sustenta pelas mesmas razões já expostas anteriormente.6 Em resumo, Lucas redigiu sua obra entre os anos 60 e 70, sendo que alguns estudiosos opinam para a primeira parte dessa década enquanto outros pela segunda. Seja como for, isso em nada altera aquilo que Lucas escreveu.

Gênero Literário
Compreender a que tipo de gênero literário pertence o terceiro Evangelho é crucial para uma correta compreensão do seu texto. Isso se torna mais relevante ainda quando se estuda o papel que o Espírito Santo ocupa na teologia lucana. Já há algum tempo, a perspectiva teológica que via as obras de Lucas apenas como biografia e história vem sendo abandonadas pelos biblistas. Em 1970 o conceituado teólogo I. Howard Marshall chamou a atenção para o fato de que Lucas não  poderia ser visto mais como um simples historiador, mas como um teólogo que escreveu a história.7 Em outras palavras, Lucas não apenas documentou os fatos, mas escreveu suas obras tendo em mente um propósito teológico definido. Nesse aspecto, observa o escritor Luís Fernando Garcia-Viana, “Lucas é o teólogo da história da salvação: a história de Israel ou tempo da preparação; Jesus como centro do tempo (Lc 16.16); e o tempo da missão ou da igreja, que se inicia com a Ascensão e o Pentecostes”.

Quando se reduz as obras de Lucas apenas à sua dimensão histórica, forçosamente se é tentado a vê-las apenas como material de natureza narrativa ou descritiva e sem nenhum valor didático. Esse é um erro que precisamos evitar a todo custo. Por muitos anos esse era o entendimento que dominava os círculos teológicos graças às obras dos teólogos John Stott e Gordon D. Fee.9 Partindo de uma metodologia que atribui apenas valor narrativo e não didático à obra de Lucas, tanto Sott como Fee acabaram por mutilar o caráter claramente carismático do texto lucano. A esse respeito, Stott escreveu:

“Se deve buscar a revelação do propósito de Deus nas Escrituras nas partes didáticas, e jamais em sua porção histórica. Mais precisamente devemos buscá-la nos ensinos de Jesus e nos sermões e escritos dos apóstolos e não nas porções puramente narrativas de Atos”.

Esse é um exemplo clássico de falácia exegética, pois anula uma máxima bíblica na qual se afirma que toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para o nosso ensino (2 Tm 3.16; Rm 15.4). Por outro lado, não leva em conta o caráter didático das narrativas veterotestamentá- rias usadas por Paulo quando instrui os primeiros cristãos (Rm 4.1-25; 1 Co 10.1-12; G1 3.6-14). A propósito, após ver sua argumentação ser contraditada por Roger Stronstad, o anglicano John Stott voltou atrás e fez emendas em sua tese:

“Não estou negando que narrativas históricas têm uma finalidade didática, pois é claro que Lucas era tanto um historiador e um teólogo; Estou afirmando que a finalidade didática de uma narrativa nem sempre é evidente em si mesma e por isso muitas vezes precisa de ajuda interpretativa de outro lugar nas Escrituras”.

Lucas, portanto, foi um teólogo que escreveu a história e ao assim proceder o fez com um fim didático. Primeiramente ele mostra no seu Evangelho a história da Salvação se revelando de uma forma especial e chegando ao seu clímax com Jesus, o Messias prometido. O Espírito do Senhor, que agiu sobre os antigos profetas e que seria um sinal distintivo do Messias (Is 61.1; Lc 4.18), estava sobre Jesus capacitando-o a realizar as obras de Deus. No segundo volume da sua obra, Atos dos Apóstolos, ele demonstra que essa história da Salvação não sofreu solução de continuidade, pois o mesmo Jesus, na pessoa do Espírito Santo, continuou presente em seus seguidores. O Messias cumpriu as profecias e derramou o Espírito Santo sobre toda a carne (Jl 2.28; At 2.33; 5.32). Não há dúvidas, portanto, que a teologia lucana mostra de forma inequívoca que as mesmas experiências dos cristãos primitivos serviriam de parâmetro para todos os crentes na história da igreja.

Propósito
A fé cristã no seu contexto histórico
E inegável que Lucas, como um teólogo, demonstrou um grande interesse pelos fatos históricos quando redigiu sua obra. O prólogo, escrito a Teófilo, que se acredita ser um gentio de alta posição social, atesta isso. “Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio e foram ministros da palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelentíssimo Teófilo, por sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio, para que conheças a certeza das coisas de que já estás informado” (Lc 1.1-4).

O que pretendia, portanto, o autor do terceiro Evangelho ao documentar sua obra? Lucas procura narrar a história; mas não a história como se entende hoje em seu sentido secular ou positivo, que se prende apenas à narrativa das ações humanas.14 Ele narra a história da Salvação. A história de Lucas é a história da ação de Deus entre os homens e como ele demonstra a sua soberania entre eles! Dentro desse contexto o seu interesse era mostrar os fatos sobre os quais o evangelho estava fundamentado; estabelecer o vínculo entre o cristianismo e o  judaísmo, revelando dessa forma que a fé cristã possuía raízes judaicas; deixar claro que o cristianismo não veio para competir com o império romano, mostrando assim que ele não era uma ameaça política à autoridade do império.

Uma Teologia Carismática
Como um escritor inspirado e um teólogo cristão, Lucas mostra que o tempo do cumprimento das promessas de Deus, preditas nos antigos profetas, havia chegado. Fica claro para ele que o advento do cristianismo foi precedido pela renovação do Espírito profético. O último profeta, Malaquias, havia silenciado cerca de quatrocentos anos antes. Esse hiato entre os dois testamentos é conhecido como período inter-bíblico. Agora esse silêncio é rompido, primeiramente pelo anúncio feito a Zacarias, pai de João Batista (Lc 1.13) e posteriormente a Maria, a mãe de Jesus (Lc 1.28). É, contudo, no ministério de João Batista, que Lucas mostra a restauração da antiga profecia bíblica: “E, no ano quinze do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia, e Herodes, tetrarca da Galileia, e seu irmão Filipe, tetrarca da Itureia e da província de Traconites, e Lisânias, tetrarca de Abilene, sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de Deus a João, filho de Zacarias” (Lc 3.1-2).

Essa restauração da antiga profecia bíblica, como veremos em capítulos posteriores, é importante no contexto da teologia carismática de Lucas. Já foi dito que Lucas escreveu uma obra em dois volumes e esse é um fato importante porque essa homogeneidade nos ajuda compreender a ação do Espírito Santo na teologia Lucas-Atos. No Evangelho, Lucas mostra o Espírito atuando sobre o Messias e capacitando-o para realizar as obras de Deus como havia sido prometido nas profecias (Lc 4.18; Is 61.1). Por outro lado, no livro de Atos está o cumprimento da promessa do Messias de derramar esse mesmo Espírito sobre os seus seguidores (Lc 11.13; 24.49; At 1.8). Em outras palavras, o mesmo revestimento de poder que estava sobre Jesus Cristo e que o capacitou a curar os enfermos, ressuscitar os mortos e expulsar os demônios seria também dado a seus seguidores quando ele fosse glorificado. “De sorte que, exaltado pela destra de Deus e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (At 2.33); “nós somos testemunhas acerca destas palavras, nós e também o Espírito Santo, que Deus deu àqueles que lhe obedecem” (At 5.32).

A História da Salvação.
A história da Salvação no terceiro Evangelho é revelada em seu aspecto particular e universal. Sem dúvida a ênfase maior está na universalidade da Salvação. Jesus veio para os judeus, mas não somente para estes, ele veio também para os gentios. A Salvação é para todos! Esse princípio teológico de Lucas fica em evidência quando se observa o lugar que os excluídos ocupam nos seus registros. No anúncio do nascimento de Jesus feito pelos anjos aos camponeses foi dito: “Vos trago boa-nova de grande alegria, que o será para todo o povo” (Lc 2.10).

Todo o povo, e não apenas os judeus, era objeto da graça de Deus. E inegável a atenção que se dá aos pobres, excluídos e marginalizados no Evangelho de Lucas. O Espírito Santo estava sobre Jesus para “evan- gelizar os pobres” (Lc 4.18). É interessante observarmos que a palavra grega ptochoi, traduzida como pobres, significa alguém que possui alguma carência. E exatamente esses carentes que Jesus irá priorizar em seu ministério. Ele dará grande atenção aos publicanos, pecadores, mulheres e aos samaritanos que eram discriminados naquela cultura (Lc 5.32; 7.34-39;9.51-56; 10.3; 15.1; 17.16; 18.13; 19.10).

Essa Salvação predita pelos profetas, anunciada pelos anjos e declamada em forma poética pelo sacerdote Zacarias e Maria, mãe de Jesus, é também de natureza escatológica. A teologia lucana mostra João anunciado a chegada do Reino e Jesus estabelecendo-o durante o seu ministério. Todavia esse Reino inaugurado pela manifestação messiânica (Lc 4.43; 8.1; 9.2; 17.21) ainda não está revelado em toda a sua extensão. Já podemos, sim, viver a sua realidade no presente, mas a sua plenitude somente na sua parousial (At 1.6-11). Essa é a nossa esperança!

1. Lucas, simultaneamente médico e escritor.

Três passagens do Novo Testamento citam Lucas pelo nome: as duas primeiras passagens bíblicas são Cl 4.14: “Saúda-vos Lucas, o médico amado, e também Demas”, e Fm 23s: “Saúdam-te Epafras, prisioneiro comigo, em Cristo Jesus, Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus cooperadores.”

Dessas duas saudações resulta o seguinte:
1) Lucas foi um dos colaboradores de Paulo no trabalho missionário entre os gentios.
2) Uma vez que em Cl 4.10s Paulo destaca os colaboradores da circuncisão de forma específica, sem arrolar Lucas entre eles, não pode haver dúvida de que Lucas era de família não judaica. Logo, Lucas era um gentio cristão.
3) Do título de médico, atribuído a Lucas em Cl 4.14, deduz-se que ele era cientificamente instruído.

Entre os primeiros pregadores do evangelho Lucas é, provavelmente, ao lado de Paulo, o único que havia adquirido uma sólida formação científica.

A terceira passagem em que Lucas aparece é 2Tm 4.11: “Somente Lucas está comigo.” O apóstolo está no final de sua vida. Está preso em Roma pela segunda vez (por volta do ano 66). Seus colaboradores estão todos em viagens missionárias, apenas Lucas lhe faz companhia na prisão, pouco antes de Paulo morrer no martírio. Impõe-se a pergunta: há quanto tempo aproximadamente existe o relacionamento cooperativo mais próximo entre Paulo e Lucas? – Como Lucas, o médico, escreveu dois relatos – os Atos dos Apóstolos e o terceiro evangelho –, é possível afirmar com certeza que o relacionamento entre Paulo e Lucas existiu pelo menos desde a época em que Paulo viajou de Trôade para a Macedônia (At 16.10).

Perguntamos: Por acaso o apóstolo Paulo não teria conhecido Lucas bem antes disso? De onde era Lucas? Eusébio e Jerônimo relatam, indubitavelmente com base em tradições antigas, que Lucas era natural de Antioquia. Em “Exkursen zur Lebensgeschichte des Lukas” [Excursos sobre a biografia de Lucas] Zahn chama atenção para um manuscrito grego escrito por volta de 300 d.C., cuja tradução reza: “Lucas é um sírio de Antioquia, médico de profissão, aluno de apóstolos. Mais tarde, porém, ele acompanhou a Paulo até o martírio deste. Depois de servir ao Senhor incansável e desinteressadamente, adormeceu, aos 84 anos de idade, na Beócia (ou em Tebas, capital da Beócia) cheio do Espírito Santo”

O teólogo Godet afirma: na narrativa acerca da constituição da igreja de Antioquia (At 11.20-24) chamam involuntariamente a atenção a vitalidade e o frescor com que esse episódio é relatado. Predomina nela um traço de entusiasmo. Tem-se a impressão de que o autor escreveu essas linhas sob o impacto das mais fiéis recordações pessoais. Se isso for verdadeiro, Lucas e o apóstolo Paulo, que atuou vários anos nessa jovem igreja, devem ter sido velhos conhecidos. Compreende-se facilmente, pois, que em Trôade o apóstolo o tenha nomeado imediatamente como seu colaborador para a incipiente obra de evangelização na Grécia. Concomitantemente, isto serve para confirmar a idéia que se impõe automaticamente durante a leitura de At 16.10ss, a saber, que nesse primeiro trecho na primeira pessoa do plural e, por conseqüência, também nos outros dois trechos formulados com “nós”, o autor narra acontecimentos de que participou pessoalmente. A partir daqui se explica naturalmente todo o relato subseqüente de Atos dos Apóstolos. A primeira pessoa no plural, “nós”, deixa de ser usada no momento em que o apóstolo e seus companheiros Silas e Timóteo saem de Filipos, exatamente porque Lucas permanece nessa cidade para apoiar a jovem igreja. O “nós” volta a ser usado no instante em que Paulo, no final da terceira viagem e a caminho de Jerusalém, novamente aparece em Filipos (At 20.5) e Lucas torna a acompanhá-lo. Naturalmente isso acaba quando chegam em Jerusalém, uma vez que a partir daí a narrativa se refere unicamente a Paulo.
O “nós” reaparece na partida para Roma (At 27.1) e dura até o final do livro, do que se depreende que Lucas e Aristarco (At 27.2) formavam a comitiva de viagem do apóstolo. Por essa razão, pois, esses dois também são mencionados nas saudações finais das duas primeiras cartas que Paulo escreveu em Roma (Colossenses e Filemom). Segundo 2Tm 4.11, poucos meses antes do martírio do apóstolo tão-somente Lucas ainda acompanhava Paulo no cativeiro.
A maioria de seus amigos deixou-o, em parte para servir a Deus, em parte por amor ao mundo, como Demas. Não sem motivo supõe-se que Lucas foi aquele “irmão” do qual 2Co 8.18 diz que seu “louvor no evangelho está espalhado por todas as igrejas”, e que ele foi enviado com Tito a Corinto em uma viagem para arrecadar ofertas. De acordo com as pesquisas do estudioso Zahn, após a execução de Paulo em Roma no ano de 66 ou 67 d.C., Lucas dirigiu-se à Grécia, permanecendo ali por algum tempo como servo itinerante da palavra de Deus.

2. Teófilo, destinatário do Evangelho de Lucas, uma pessoa de renome
Ambos os escritos, tanto o evangelho de Lucas quanto os Atos dos Apóstolos, foram dedicados à mesma pessoa. Considerando que em Lc 1.3 Teófilo é considerado e interpelado como “excelentíssimo Teófilo” (o título “excelentíssimo” era usado naquele tempo para senadores e cavaleiros - clarissimus -, como os procuradores romanos Félix, em At 23.26; 24.3, e Festo, em At 26.25), ele parece ter sido um homem renomado. O teólogo Zahn traduz a interpelação com “excelência”. A dedicatória a Teófilo evidentemente não exclui a possibilidade de que esses livros desde já visassem um grande círculo de leitores. Assim como hoje, também na Antigüidade dedicava-se livros a determinadas pessoas.

Onde vivia Teófilo? O país em que devemos localizar Teófilo depreende-se da percepção de que Lucas considera necessário explicar lugares, costumes e peculiaridades palestinas, cretenses, atenienses e macedônias, enquanto  pressupõe como conhecidas todas as localidades na Sicília e na Itália (At 28 - particularmente o centro-sul da Itália, até Roma), até mesmo pequenos vilarejos (At 28.15). Talvez por isso devamos situar Teófilo na Itália. Contudo, a familiaridade também é pressuposta no caso das viagens de Antioquia para Chipre e pela Ásia Menor até Trôade (At 13.4-14,26; 15.40-16.11).

As recognitiones (atestações) clementinas, de meados do século II, relatam que, após a pregação de Pedro, Teófilo, detentor da posição máxima entre todos os cidadãos proeminentes de Antioquia, teria cedido o grande pórtico (salão ou colunata) de sua casa para as reuniões de culto a Deus.

A visão histórica abrangente dada em Lc 3.1s, bem como a característica de todo o escrito, demonstram que Lucas escreveu a um amplo círculo de leitores de origem grega, cujo representante ele considerava ser Teófilo.

Além disto, essa dedicatória não significava mera questão de honra. Até o surgimento da imprensa, a edição de um livro era algo muito dispendioso. Por essa razão, os autores costumavam dedicar suas obras a uma personalidade abastada que, caso aceitasse a dedicatória, era considerada, por assim dizer, “patronus libri”, padrinho do escrito. Esse patronus libri encarregava-se de abrir caminho na opinião pública para a nova obra. Para isto ele criava oportunidades para que o autor apresentasse textos de sua obra perante um círculo seleto. Igualmente encomendava por sua conta as primeiras cópias.
A redação do evangelho de Lucas geralmente é situada no período entre 63 e 66 depois de Cristo.

3. As fontes do Evangelho de Lucas
A primeira fonte dessas narrativas evangélicas é, incontestavelmente, a pregação dos apóstolos. Não por acaso esses apóstolos foram contemporâneos e testemunhas da vida de seu Mestre. O próprio Senhor Jesus os havia escolhido para essa finalidade e transformado em seus acompanhantes. Jesus designa-os com freqüência como suas testemunhas convocadas, p. ex., em Lc 24.48: “Vós sois testemunhas destas coisas”, em At 1.8: “Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra”, e em Jo 15.26s: “O Espírito… dará testemunho de mim, e vós também testemunhareis, porque estais comigo desde o princípio.” Essa qualidade de testemunha ocular portanto também passou a ser determinante para os apóstolos quando trataram de eleger um apóstolo para substituir Judas, após a Ascensão; cf. At 1.21s.

Em seguida, quando At 2.42 fala do ensino dos apóstolos (didaché ton apostolon), cumpre entendê-lo inegavelmente acima de tudo como as narrativas dos apóstolos acerca da vida e do ensinamento de Jesus. Naquele tempo essa era a única dogmática, o único catecismo dos cristãos.

Há mais uma outra circunstância que explica aquelas forma definidas que nos surpreendem nas narrativas sinóticas. Nos primeiros tempos, a proclamação evangélica indubitavelmente acontecia no dialeto aramaico, que era a linguagem do povo e dos apóstolos. Contudo havia em Jerusalém uma numerosa população judaica que falava exclusivamente o grego, os chamados helenistas. Afirma-se que tinham mais de três sinagogas em Jerusalém, nas quais o AT era lido somente em grego, na tradução da Septuaginta [LXX]. Por essa razão, desde o princípio foi necessário cuidar das comunidades gregas, reproduzindo a tradição oral no idioma grego. Contudo isso representava um trabalho árduo. Tratava-se especialmente de verter os discursos doutrinários de Jesus para um idioma cujo espírito era completamente diferente. Pelo menos não se lidava levianamente com essa tarefa, deixando-a nas mãos de qualquer pessoa. Supervisionar a tradução era uma incumbência dos próprios apóstolos, pelo menos daqueles apóstolos que falavam o grego, o que valia, p. ex., provavelmente para André e Filipe (cf. Jo 12.20ss.) e certamente para Mateus, que havia sido oficial de alfândega.

Com esse modelo do idioma grego, para o qual os tradutores autorizados verteram os relatos acerca da vida de Jesus, o relatório sobre a vida e o ensinamento de Jesus revestiu-se de uma configuração mais sólida do que antes. Nesse formato ele pôde ser preservado facilmente até ser fixado por escrito. A tradição viva era a rica fonte a que todos recorriam.
Godet escreve: “A meu ver, temos na tradição oral um princípio suficientemente firme e ao mesmo tempo flexível para esclarecer tão notável relação entre os três sinóticos: por um lado sua semelhança, com uma coincidência até mesmo parcialmente literal, por outro lado, porém, também sua diversidade!” R. Seeberg (Berlim) afirma: “Essa é, pois, a maravilha: que apesar de suas diferenças e peculiaridades todos os quatro evangelhos, tomados em conjunto, expuseram em admirável harmonia e concórdia a gloriosa figura de Jesus. O problema não é: como explicar as diferenças? mas: como, afinal, é possível essa maravilhosa concordância?” Respondemos: isso é possível e verdadeiro unicamente pela condução do Espírito Santo. Uma profecia jamais foi proferida a partir da vontade humana, i. é., a partir do intelecto das pessoas, mas elas falaram pelo impulso do Espírito Santo.

Antes de finalizarmos, porém, o presente capítulo sobre as fontes de Lucas, cumpre acrescentar ainda algo que o já mencionado professor de teologia Zahn declarou a esse respeito. Ele afirma: “Lucas não diz absolutamente nada em seu prefácio sobre as fontes escritas das quais colheu seu material (Lc 1.1-4). Realmente não lhe faltaram oportunidades de explorar os informes orais das testemunhas que viram e ouviram Jesus. Os cristãos que foram de Jerusalém para a Antioquia por volta do ano 34, depois da morte de Estêvão, despertando por sua pregação uma igreja e permanecendo ali como mestres dessa igreja (At 11.19ss; 13.1), eram todos ex-alunos de apóstolos (At 21.16), e seria estranho supor que um ou outro deles não tivesse tido a oportunidade de ver e/ou ouvir pessoalmente a Jesus.”

“Por volta de 40 d.C., Lucas, que deve sua conversão a eles, já se encontrava sob a influência da memória recente de cristãos hierosolimitas. Alguém como Manaém, por exemplo, amigo de adolescência do tetrarca Herodes, poderia ter informado o jovem ávido de conhecimento sobre as condições dos poderosos na Palestina nos tempos em que Jesus viveu (Lc 3.1,19; 23.7-12).”
“Assim como a mãe de Jesus, como membro da igreja de Jerusalém, sobreviveu à ressurreição de seu filho, quiçá por longo tempo (At 1.14; Jo 19.27), também o acervo de suas reminiscências deve ter sido um bem comum dos cristãos de Jerusalém durante os anos 30 a 40, ou seja, também dos primeiros pregadores em Antioquia; e duas vezes (Lc 2.19,51) Lucas dirige o leitor com intenção inequívoca para Maria, como fiel depositária desse tesouro.”
“Quando Lucas viajou com Paulo para Jerusalém na época do Pentecostes de 58 d.C., teve oportunidade já durante a jornada, por ocasião de uma permanência de vários dias em Cesaréia, de viver na casa de um „dos sete homens que haviam sido escolhidos em Jerusalém‟, provavelmente também testemunha ocular da história evangélica (At 21,8 [BLH]; cf. o que é observado abaixo, sobre Lc 9.61). Chegando a Jerusalém, ele visitou com Paulo a casa de Tiago, que havia crescido sob o mesmo teto com seu irmão Jesus em Nazaré (At 21.18). Se Lucas, como parece, permaneceu na Palestina do Pentecostes de 58 até o fim do verão do ano 60, quer ininterrupta quer predominantemente, ele tinha à disposição ali as mais produtivas e numerosas fontes do ensinamento histórico sobre as palavras, os feitos e sofrimentos de Jesus.” Até aqui as pertinentes exposições do professor Zahn.

4. Plano e estrutura do evangelho de Lucas
Como os outros três evangelistas, Lucas também não narrou a história apenas por causa da história. Os quatro evangelistas tiveram por objetivo a salvação e apresentam os fatos de tal maneira que são reconhecidos pelo leitor como objeto da fé.

Mateus mostra a relação da história de Jesus com a revelação do AT. Na realidade ele descortina uma vasta perspectiva para a obra missionária futura em suas palavras finais. Apesar disso está fundamentalmente voltado para o passado.

Lucas na verdade também salienta a relação entre a antiga e a nova aliança, mas acima de tudo ele busca na atividade e no ensinamento de Jesus o ponto de partida e o começo da nova criação espiritual; seu olhar está voltado para o futuro.

Em sua apresentação, Marcos não enfoca nem o passado nem o futuro, mas única e exclusivamente o espetáculo incomparável que se descortinava diante da testemunha da vida de Jesus. Visa retratar o próprio Jesus, como ele vivia e agia, com nenhum outro objetivo além de suscitar da forma mais completa em seus leitores a impressão que as testemunhas de fato haviam recebido de sua personalidade.

O evangelista João, por fim, fixa o olhar no Jesus que é a eternidade que penetrou no tempo, a vida divina que ingressou na humanidade, oferecendo-a a todos que almejam esse alvo supremo.
É fácil de entender que justamente o evangelho de Lucas, aquele dentre todos os quatro evangelhos que explicita o nexo mais estreito com a evolução ulterior do cristianismo, tenha obtido uma continuação em Atos dos Apóstolos. O evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos formam uma unidade integrada, razão pela qual também o andamento de ambos os escritos exibe uma marcante semelhança. O conteúdo do evangelho pode ser sintetizado em três nomes: Nazaré, Cafarnaum, Jerusalém. Do mesmo modo o conteúdo de Atos dos Apóstolos pode ser resumido em três nomes: Jerusalém, Antioquia, Roma. Em Cafarnaum manifesta-se o que foi gerado no silêncio de Nazaré. Em Jerusalém completa-se o que foi preparado em Cafarnaum. O mesmo ocorre em Atos dos Apóstolos. Em Antioquia vemos em flor a semeadura que germinou no Pentecostes em Jerusalém. Em Roma constatamos que a nova aliança se desprendeu cabalmente do velho solo e foi transplantada para o novo solo, sobre o qual desde então produz seus frutos. Enquanto o evangelho descreve a maneira e a forma como a salvação em Israel se concretizou, apesar das hostilidades de seus líderes e da obcecação do povo, Atos dos Apóstolos mostra que a fundação do reino de Deus entre os gentios não aconteceu seguindo o curso normal, com Israel (o povo convertido de Deus acolhendo em seu seio os gentios), mas que, pelo contrário, a fundação do reino de Deus foi permanentemente confrontada com resistência por parte de Israel, tanto na Palestina quanto nos países gentios, até Roma, onde finalmente aconteceu a ruptura completa.

Quanto às demais características do evangelho de Lucas, Lange (Lange, Bibelwerk) afirma: “O terceiro evangelho é o que traz as marcas mais nítidas da individualidade do autor, conforme já nos familiarizamos com elas em outros locais. Uma vez que reconhecíamos em Lucas um cristão dentre os gentios, sua obra também se identifica com uma característica decididamente universalista. Ele não remete à origem do Senhor somente até Abraão, como Mateus, mas até Adão, e esforça-se menos em apresentar a relação do Cristo de Deus com Israel e mais a relação com toda a humanidade.”

Ademais, nenhum outro evangelho permite entrever vestígios tão nítidos do espírito de Paulo como precisamente o evangelho de Lucas. É bem verdade que não seja provável que Paulo tenha tido em mente uma narrativa escrita de Lucas quando menciona o seu evangelho (Rm 2.16; 2Tm 2.8), mas apesar disso ambos convergem da maneira mais perfeita na descrição da instituição da santa ceia (Lc 22.19s; cf. 1Co 11.23-29), no relato da aparição de Cristo quando se manifestou a Pedro (Lc 24.33s; cf. 1Co 15) e em outros detalhes.

O evangelho de Lucas é um comentário contínuo ao misterioso dizer do apóstolo: “Deus enviou seu Filho, que veio na forma da nossa natureza pecaminosa a fim de acabar com o pecado” (Rm 8.3). É como se Lucas tivesse visto sua própria função sendo exercida na atividade de Jesus. Mais do que os outros, ele descreve o Senhor Jesus como médico, precisamente como o Grande Médico, que veio não apenas para servir (Mt 20.28), mas que andou por toda parte fazendo o bem (At 10.38), demonstrou compaixão com todos os doentes do corpo e do espírito, liberou poder de si para restaurar (Lc 5.17)! Todos relatam acerca da tentação de Jesus no deserto, mas unicamente Lucas acrescenta: “apartou-se dele o diabo, até momento oportuno” [Lc 4.13]. Todos relatam seu sofrimento no Getsêmani, mas somente Lucas preservou para nós o relato comovente do suor que “como gotas de sangue caindo sobre a terra” [Lc 22.44], e do anjo que o fortalecia. Todos falam do arrependimento de Pedro, mas unicamente Lucas menciona o olhar do Senhor [Lc 22.61].
O terceiro evangelho é a coroa dos evangelhos sinóticos.



Lucas 1:1-4
A introdução de Lucas é única nos três primeiros Evangelhos porque nela aparece o autor em cena e é utilizado o pronome "eu".

Há três coisas que devemos notar nesta passagem.

(1) É o melhor que foi escrito em grego no Novo Testamento. Lucas utiliza aqui o mesmo tipo de introdução que usam os grandes historiadores gregos. Heródoto, o famoso historiador grego começa: "Estes são os estudos de Heródoto de Halicarnaso." Um historiador muito posterior, Dionísio de Halicarnaso, diz-nos ao começo de sua história: "Antes de começar a escrever reuni informação, em parte dos lábios dos homens mais estudiosos com quem estive em contato, e em parte das histórias escritas por romanos, que eles elogiavam." De maneira que Lucas, ao começar seu Evangelho, seguiu no melhor grego os modelos de mais qualidade que encontrou. É como se Lucas se houvesse dito a si mesmo: "Estou escrevendo a maior história do mundo, e devo usar o melhor para fazê-lo." Alguns dos manuscritos antigos são reproduções muito belas, escritas em tinta prateada sobre pergaminho  púrpura e muitas vezes o escriba escrevia o nome de Deus e de Jesus em cor dourada. O Dr. Boreham nos conta de um operário ancião que todas as sextas-feiras de noite, separava as moedas mais novas e brilhantes de seu salário para a oferta dominical. O historiador, o escriba e o operário tinham a mesma idéia, só o melhor é suficientemente bom para Jesus. Sempre dariam o mais possível a seu Senhor.

(2) É muito significativo que Lucas não se conformasse com as outras histórias de Cristo. Teve que escrever a própria. A verdadeira religião não é nunca uma coisa de segunda mão, uma história repetida. É um descobrimento pessoal. O Dr. Gossip estava acostumado a dizer que os quatro evangelhos eram importantes, mas além de todos eles está o evangelho da experiência pessoal. Lucas havia redescoberto a Jesus por si mesmo.

(3) Nenhuma outra passagem da Bíblia lança tanta luz sobre a doutrina da inspiração das Escrituras. Ninguém pode negar que o evangelho de Lucas é um documento inspirado; e entretanto, Lucas começa afirmando que é o produto da mais cuidadosa investigação histórica. A inspiração de Deus não chega ao homem que espera sentado, de braços cruzados, com a mente ociosa, e sim à mente que pensa, busca e investiga. A verdadeira inspiração chega quando a mente que busca se encontra com o Espírito revelador de Deus. A palavra de Deus é dada, mas ao homem que a busca. "Procurem e acharão."

Lucas não escreve sobre coisas acerca das quais os cristãos podem diferir entre si, e estarem vacilantes, mas sim daquilo que é e deve ser crido com toda a certeza. A doutrina de Cristo é aquilo em que os homens mais sábios e melhores, têm arriscado as suas almas com  confiança e satisfação. os grandes sucessos de que dependem as nossas esperanças foram escritos por aqueles que, desde o princípio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra, e foram aperfeiçoados em seu entendimento por meio da inspiração divina.

LUCAS  1.1,2 — Tendo, pois, muitos empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram. Por meio desta expressão, Lucas deixa claro que ele não foi o primeiro a escrever um relato do ministério de Jesus. Estes versículos sugerem que Lucas não foi uma testemunha dos acontecimentos do ministério de Jesus, mas ele teve acesso às declarações daqueles que foram. As fontes das histórias foram os que presenciaram e transmitiram os fatos à Igreja. O verbo transmitir alude à comunicação de uma passagem oficial.

LUCAS  1.3 — Pareceu-me também a mim conveniente. Lucas não expressou nenhuma insatisfação com os relatos anteriores do ministério de Jesus, e identificou-se com aqueles que o registraram antes dele. Havendo-me já informado minuciosamente. Esta expressão representa duas das quatro características que descrevem o trabalho de Lucas neste  versículo: (1) Ele investigou o tópico e fez isso com cuidado; (2) Lucas não declarou saber tudo sobre Jesus, mas o que escreveu foi fruto de estudo e de um tratamento apurado.

De tudo. Esta expressão mostra que a terceira particularidade da obra de Lucas foi sua meticulosidade.

Desde o princípio. Aqui vemos que o quarto aspecto de Lucas foi seu interesse pelos acontecimentos mais remotos ligados à vida de Jesus Cristo.

Por sua ordem. Nesta expressão vemos que Lucas deu à sua narrativa uma estrutura básica. Nem todas as partes estão em ordem cronológica, mas o registro mais amplo é o ministério de Cristo na Galiléia, Sua viagem para Jerusalém, e Suas lutas lá. A disposição dos acontecimentos mostra como Jesus se revelou gradualmente e como a oposição a Ele cresceu proporcionalmente.

1.4 — A certeza. O propósito desta expressão foi dar uma garantia a Teófilo, que possivelmente  era um novo fiel e alguém muito interessado na mensagem cristã.

É provável que Teófilo fosse um gentio, considerando que muito de Lucas e Atos tem ligação com a relação entre gentios e judeus (At 10; 11; 15). Ele não precisava apenas saber a verdade e a exatidão do que a Igreja ensinava, mas também necessitava que isto fosse reafirmado.

Teófilo deve ter se perguntado o que ele, na condição de gentio, estava fazendo em um movimento que era originalmente judeu, especialmente quando muitos israelitas estavam rejeitando a mensagem.

Um Messias morto poderia realmente ser o centro da promessa de Deus? A perseguição da
Igreja é um sinal do julgamento de Deus sobre um movimento que fez a Sua graça tão generosa, incluindo diretamente nela os gentios sem que estes precisassem tomar-se judeus primeiro? Lucas desejava garantir a Teófilo (e aos outros leitores deste trabalho) que Jesus de fato cumpriu a promessa do Senhor, que Seu ministério e, especialmente, Sua ressurreição mostram que Deus está por trás, e que qualquer gentio pertence a este movimento. Além disso, como demonstra Atos, a perseguição da Igreja é como aquela com a qual Cristo se  deparou, e deu a oportunidade de que a Palavra de Deus fosse espalhada por toda região, até mesmo por lugares tão distantes como Roma.


SOBRE O EVANGELHO DE LUCAS

Considerações Preliminares
O Evangelho segundo Lucas é o primeiro dos dois livros endereçados a um certo Teófilo (1.3; At 1.1). Embora o autor não se identifique pelo nome em nenhum dos dois livros, o testemunho unânime do cristianismo primitivo e as evidências internas indicam a autoria de Lucas nos dois casos.
Segundo parece, Lucas era um gentio convertido, sendo o único autor humano não-judeu de um livro da Bíblia. O Espírito Santo o moveu a escrever a Teófilo (cujo nome significa “aquele que ama a Deus”) a fim de suprir uma necessidade da igreja gentia, de um relato completo do começo do cristianismo. A obra tem duas partes: (1) o nascimento, vida e ministério, morte, ressurreição e ascensão de Jesus (Lucas), e (2) o derramamento do Espírito em Jerusalém e o desenvolvimento subseqüente da igreja primitiva (Atos). Esses dois livros perfazem mais de uma quarta parte do NT.
Pelas epístolas de Paulo sabemos que Lucas era um “médico amado” (Cl 4.14) e um leal cooperador do apóstolo (2 Tm 4.11; Fm 24; cf. os trechos em Atos na primeira pessoa do plural; ver a introdução a Atos).

Pelos escritos de Lucas, vemos que ele era um escritor culto e hábil, um historiador atento e teólogo inspirado. Segundo parece, quando Lucas escreveu o seu Evangelho, a igreja gentia não tinha nenhum desses livros completo ou bem conhecido, a respeito de Jesus. Primeiramente Mateus escreveu um Evangelho para os judeus, e Marcos escreveu um Evangelho conciso para a igreja em Roma. O mundo gentio de língua grega dispunha de relatos orais de Jesus, dados por testemunhas oculares, bem como breves tratados escritos, mas nenhum Evangelho completo com os fatos na devida ordem (ver 1.1-4). Daí, Lucas se propôs a investigar tudo cuidadosamente “desde o princípio” (1.3), e, provaveLcente, fez pesquisas na Palestina enquanto Paulo esteve na prisão em Cesaréia (At 21.17; 23.23—26.32) e terminou o seu Evangelho perto do fim daquele período, ou pouco depois de chegar a Roma com Paulo (At 28.16).

Propósito
Lucas escreveu este Evangelho aos gentios para proporcionar-lhes um registro completo e exato de “tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar, até ao dia que foi recebido em cima” (At 1.1b,2a).
Escrevendo sob a inspiração do Espírito Santo, sua intenção foi transmitir a Teófilo e outros convertidos e interessados gentios, com certeza, a plena verdade sobre o que já tinham sido oralmente inteirados (1.3,4). Lucas no seu Evangelho deixa claro que ele escreveu para os gentios. Por exemplo, ele apresenta a genealogia humana de Jesus, recuando-a até Adão (3.23-38) e não até Abraão, conforme fez Mateus (cf. Mt 1.1-17). Em Lucas, Jesus é visto claramente como o Salvador divino-humano, que veio como a provisão divina da salvação para todos os descendentes de Adão.

Visão Panorâmica
O Evangelho segundo Lucas começa com as narrativas mais completas da infância de Jesus (1.5—2.40), bem como apresenta o único vislumbre, nos Evangelhos, da juventude de Jesus (2.41-52). Depois de descrever o ministério de João Batista e apresentar a genealogia de Jesus, Lucas divide o ministério de Jesus em três seções principais: (1) seu ministério na Galiléia e arredores (4.14—9.50), (2) seu ministério durante a viagem final a Jerusalém (9.51—19.27); e (3) sua última semana em Jerusalém (19.28—24.43).

Embora os milagres ocupem lugar de destaque no registro de Lucas sobre o ministério de Jesus na Galiléia, o enfoque principal deste Evangelho consiste nos ensinos e parábolas de Jesus durante seu extenso ministério a caminho de Jerusalém (9.51—19.27). Esta é a maior seção de assuntos exclusivos de Lucas, e inclui muitas histórias e parábolas prediletas. O versículo determinante (9.51) e o versículo-chave (19.10) do Evangelho ocorrem no início e perto do fim dessa seção especial.

Características Especiais
São oito as características principais do Evangelho segundo Lucas. (1) Seu amplo alcance no registro dos eventos na vida de Jesus, desde a anunciação do seu nascimento até a sua ascensão. (2) A qualidade excepcional do seu estilo literário, empregando um vocabulário rico e escrito com um domínio excelente da língua grega. (3) O alcance universal do Evangelho — que Jesus veio para salvar a todos: judeus e gentios igualmente. (4) Ele salienta a solicitude de Jesus para com os necessitados, inclusive mulheres, crianças, os pobres e os socialmente marginalizados. (5) Sua ênfase na vida de oração de Jesus e nos seus ensinos a respeito da oração. (6) O notável título de Jesus neste Evangelho, a saber: “Filho do Homem”. (7) Seu enfoque sobre a alegria que caracteriza aqueles que aceitam a Jesus e a sua mensagem. (8) Sua ênfase na importância e proeminência do Espírito Santo na vida de Jesus e do seu povo (e.g., 1.15, 41, 67; 2.25-27; 4.1, 14, 18; 10.21; 12.12; 24.49).

ELABORADO PELO EVANGELISTA; NATALINO DOS ANJOS
PROFESSOR DA ESCOLA B. DOMINICAL E PESQUISADOR
DIRIGENTE DA CONGREGAÇÃO DA A.D. MISSÃO
NO BAIRRO NOVO HORIZONTE - CAMPO DE GUIRATINGA-MT
PRESIDENTE; PASTOR EDSEU VIEIRA.

FONTES
Comentário Bíblico de Matthew Henry
Comentário biblico William Barclay
Comentario bíblico Esperança
Comentario biblico  Earl D. Radmacher Ronald B. Allen H. Wayne House
Biblia de Estudo Pentecostal






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